Atualmente, com os enormes
avanços da tecnologia, as crianças estão cada vez mais expostas a aparelhos
eletrônicos como smartphones, tablets, computadores e jogos em geral. Essa
realidade – que é inerente ao nosso contexto histórico e cultural – afeta sensivelmente
o seu desenvolvimento cognitivo e emocional e o seu debate mostra-se
fundamental para reduzir alguns possíveis efeitos colaterais. Sobre o
assunto, vale conferir a entrevista abaixo, com a psicanalista Maria Aparecida
Quesado Nicoletti*.
1) As crianças são expostas,
cada vez mais cedo, a smartphones, iPads, computadores, jogos eletrônicos etc.
De que forma isso afeta o desenvolvimento tanto cognitivo quanto emocional?
Depende muito da etapa da
infância que se examina. Pela construção da pergunta entendo que a questão se
refere a crianças que estão na faixa etária pré-escolar e no início do período
de escolarização fundamental.
Nessa etapa do
desenvolvimento, por volta dos quatro ou cinco anos, talvez o desenvolvimento
cognitivo e emocional da criança já deixou para trás os estágios primários da
formação de sua psique. Seu corpo e sua mente estão ávidos por experiências
novas e isso faz com que a criança incorpore rapidamente a linguagem corrente,
nomes e atividades motoras variadas. Em geral, se lhe for dado a escolher o que
fazer, as escolhas recairão sobre atividades prazerosas, sejam elas participar
de jogos nos quais têm que fazer esforços físicos, seja interagir com
computadores ou usar as mãos para manusear objetos.
Começam aqui algumas das
dúvidas sobre o impacto que instrumentos e brinquedos computadorizados terão
sobre o desenvolvimento infantil. Nota-se, em diversos espaços de comunicação,
a existência de opiniões a favor e contra a exposição das crianças dessa faixa
etária aos computadores.
Do ponto de vista da
psicanálise, que busca o desenvolvimento saudável e harmonioso das crianças
contemporâneas, inseridas em seu contexto de vida, a exposição aos computadores
e às novas formas de vivenciar e de aprender o que tais instrumentos trazem
consigo constitui movimento adequado para o desenvolvimento cognitivo e
emocional infantil, sendo pouco provável que tais atividades tenham impactos
negativos, a menos que entre em cena o excesso.
Em resumo, a interação da
criança com os computadores faz parte da cultura de nossa época e como tal, não
deve ser evitada. Sua influência só será ruim quando houver excesso ou
deslocamento de intenção, quando o computador é oferecido de maneira contínua,
para mudar o comportamento imediato da criança, como ocorre quando se quer que
ela concentre sua atenção no jogo, enquanto seu comportamento está “dizendo”
que ela precisa de interação com seus pais ou professores.
2) Qual o papel dos pais na
imposição de limites ou no incentivo do aprendizado do uso de aparelhos
tecnológicos?
A informática traz
oportunidades de comunicação e de interação social que nunca foram
experimentadas pelo Homem e, por isso mesmo, ainda não sabemos como lidar com
isso. Certamente, não será impondo limites sem fornecer razões que a criança
possa aceitar, ou incentivando a criança a usar computadores para aprender sem
cuidar que a aprendizagem se dê a partir de uma base apropriada de compreensão,
que os pais exercerão as melhores de suas influências. Em linhas gerais,
pode-se aconselhar os pais a criarem espaços de participação das crianças no
modo de vida da família, oferecendo oportunidades para que as mesmas usem não
apenas computadores, mas brinquedos físicos, ouçam a leitura de livros,
participem de jogos que exijam atividade física, evitando a rigidez da
imposição. Acredito que a “chave do sucesso” para limite/incentivo seja a
moderação do uso da tecnologia nessa fase de desenvolvimento precoce.
3) Em que medida o uso de
computadores, iPads etc. pode afetar a socialização das crianças?
A socialização das crianças
depende de um conjunto de circunstâncias de natureza cultural, que incluem as
origens da família, sua situação socioeconômica, suas crenças e práticas
religiosas, bem como a qualidade dos vínculos familiares. Computadores, em
geral, não têm o poder de influenciar o processo de socialização, salvo onde
ocorram falhas relacionadas com uma das dimensões acima citadas como, por
exemplo, quando a família descuida da socialização da criança, não lhe
oferecendo as vivências necessárias para seu desenvolvimento pleno.
4) Como a tecnologia pode
estar sendo usada para facilitar o processo educacional ou mesmo suplantá-lo?
(Por exemplo, em um restaurante, ao invés de ensinar algum comportamento, os
pais dão um iPad na mão da criança para ela “não incomodar”).
Em uma determinada época, a
família “terceirizou” a educação dos filhos para a escola, que, além da
responsabilidade do ensino formal, passou a substituir a tarefa de exercer
também a “paternidade”. No momento, será que vemos a “terceirização” para os
aparelhos eletrônicos? Nota-se que muitos pais parecem estar abdicando da
importante tarefa de educar, porque educação requer trabalho. Será que essas
crianças se sentirão atendidas com amor ou sentir-se-ão abandonadas, por não
encontrar espaço para interagir com seus genitores? O excesso do uso de
aparelhos eletrônicos também pode ser observado em adultos. É comum ouvir
queixas de adultos reclamando que o cônjuge não deixa o Ipad de lado e que, por
isso é difícil conversar.
*Maria Aparecida Quesado
Nicoletti é psicanalista e membro da SBPSP
Fonte:https://psicanaliseblog.com.br/2015/04/06/desenvolvimento-da-crianca-e-tecnologia/